Como a indústria do entretenimento influencia os nossos relacionamentos amorosos?

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Bruna Cosenza
31 de maio de 2020
jess-mariano

Este texto nasceu de uma vontade enorme de conversar com outras mulheres que, assim como eu, já sofreram os efeitos nocivos da representação romântica na indústria do entretenimento. Estou falando sobre como filmes e séries são capazes de penetrar em nossa mente e criar padrões irreais sobre relacionamentos.

Quero começar explorando como, desde nova, eu e muitas garotas nos deixamos encantar pelos mocinhos de filmes. Estou falando de personagens perfeitos como Augustus Waters, de “A culpa é das estrelas“. Desde cedo assistimos os clássicos desenhos da Disney e filmes com pessoas reais que fortalecem em nossas mentes o que é um relacionamento ideal.

Quando somos bem novas sonhamos com o par romântico perfeito. Aquele cara que faz tudo por nós, prepara um lindo jantar, nos escreve cartas de amor… Bom, mas isso muda um pouquinho conforme crescemos. Continuamos idealizando um amor perfeito, mas tenho a impressão (pelo menos comigo foi assim) de que passamos a nos sentir atraídas pelos famosos “bad boys” também. Por que isso acontece?

Bom, acho que para iniciar a discussão precisamos começar falando sobre a necessidade constante que temos de viver um amor intenso e dramático. Antes de continuar lendo, faça o seguinte exercício: você prefere viver um amor morno em que nada acontece ou um relacionamento montanha-russa como nos filmes Hollywoodianos?

Muita gente vai responder que prefere o segundo, mas na realidade acho que não precisamos escolher e sim encontrar um equilíbrio.

Uma pitada de drama, por favor

Uma boa história de amor em um filme ou série precisa de conflitos, afinal, sem drama nada acontece e não é possível prender a atenção dos telespectadores. A receita perfeita dos filmes vem repleta de idas e vindas, traições, amores não correspondidos, términos inusitados, reconciliações turbulentas. Muito drama, certo?

E nós amamos! Torcemos, choramos, nos emocionamos, pulamos de alegria… Faz parte de todo o processo. O problema, na minha opinião, é que achamos o mundo fictício tão empolgante que acabamos fazendo comparações desnecessárias com a vida real.

Mesmo que de forma meio inconsciente começamos a almejar viver as paixões avassaladoras e grandes conflitos em nossos relacionamentos. Acontece que a vida real é a vida real. Por mais que a arte imite a vida, é preciso se lembrar de que nada é como nos filmes e séries.

Pode ser empolgante assistir as histórias mirabolantes que são criadas para o cinema, mas as comparações excessivas fazem com que você viva em eterna frustração com os seus relacionamentos. É importante se lembrar de que, no fim do dia, tudo isso é entretenimento. Por mais que junto venham reflexões e aprendizados, o entretenimento não é uma cópia exata da vida real.

A realidade é diferente. Não me entenda mal, eu sou a favor de amores que nos transformam e realmente fazem o nosso coração acelerar. No entanto, todo esse alvoroço costuma existir apenas no começo. Muitas vezes idealizamos demais porque ficamos presas em como o início dos relacionamentos são retratados. O primeiro encontro, o primeiro beijo, a primeira noite de sexo, as descobertas… Quando tudo é novidade, tudo é empolgante.

Acontece que conforme os anos passam, os relacionamentos evoluem e deixam de ser empolgantes como eram no começo. Isso não é ruim, é apenas como as coisas se desenrolam naturalmente. E boa parte dos filmes e séries que assistimos terminam quando o mocinho e a mocinha ficam juntos. O que vem depois? A rotina, os desentendimentos, o tédio… Tudo isso faz parte também e cabe a cada casal entender como lidar com o lado bom e ruim de um relacionamento de anos.

Enfim, a mensagem que eu quero deixar neste primeiro momento é: o drama é atraente. É muito interessante contar a sua história de amor quando ela passou por altos e baixos e, no fim de tudo, vocês venceram e ficaram juntos, né? Bom, mas nem sempre é assim na vida real. O drama vai existir em algum nível, mas ele não precisa ser o ingrediente principal do seu relacionamento.

Lembre-se de que a pitada de drama no entretenimento costuma ser muito maior para atrair a sua atenção. Na vida real tanto drama assim pode até ser nocivo. E tudo isso nos leva ao segundo ponto do texto…

Por que nos sentimos atraídas pelos bad boys?

É claro que isso não vale para todas as mulheres, mas já reparou como boa parte sempre acaba curtindo muito o bad boy do filme? Isso acontece por motivos que, provavelmente, Freud explica, mas por aqui vamos falar sobre o que eu entendo disso tudo.

Muitos filmes e séries contam com o mocinho perfeito que seria o par perfeito e, ao mesmo tempo, um bad boy que, teoricamente, não é a pessoa certa para a mocinha. O bad boy tem um lado misterioso, não é bem resolvido em várias esferas da vida e em alguns casos é até inacessível emocionalmente. Mesmo assim ele acaba atraindo a mocinha de uma maneira inexplicável. Por que isso acontece?

De um lado, o cara perfeito e bom moço. De outro, o bad boy misterioso e inacessível, que vai e vem e não era nada do que, a princípio, a garota estava procurando. Quantos filmes você já viu que trazem esta fórmula e acabam te conduzindo a torcer pelo bad boy?

Tenho a impressão de que, nestes casos, o bad boy se sobrepõe ao moço perfeito justamento por ser imperfeito. No fundo, boa parte das mulheres se sentem atraídas pelo o que sabem que seria “errado” porque tudo isso gera uma atmosfera mais dramática e imprevisível. Sei lá, gente, estou aqui falando o que eu senti todos esses anos assistindo milhares de comédias românticas. Eu sempre me apaixonava junto pelo bad boy.

O moço perfeito acabava me entediando por algum motivo. Por outro lado, o bad boy mostrava uma esfera diferente da vida, mais aventuras e possibilidades. Imagino que esteja aí a pitada de drama! As mulheres querem o bad boy, mas sentem que para dar certo precisam mudá-los. E daí vem aquela vontade de ficar com ele, viver os mistérios e imprevisibilidades desse relacionamento e, ao mesmo tempo, ser “a garota que vai mudá-lo”.

Atire a primeira pedra a mulher que nunca se envolveu com um cara estilo bad boy, ou seja, alguém com pelos menos algumas dessas características:

  • Emocionalmente inacessível, ou seja, com dificuldade de se expressar e compartilhar sentimentos;
  • Instável —  aquela pessoa que vai e vem quando lhe convém;
  • Misterioso e charmoso (o que fica muito evidente no olhar e postura da pessoa);
  • Faz coisas que você considera “erradas” ou que nunca experimentou na vida;
  • Dificuldade em aprofundar laços e ficar com uma única pessoa (o famoso “mulherengo”);
  • Mal resolvido em diversas esferas emocionais de sua vida.

Assim como a questão do drama, os bad boys são “construídos” pela mídia e a vida real não funciona da mesma forma. Primeiro é preciso se lembrar de que nos filmes e séries conhecemos os personagens parcialmente, ou seja, a história mostra o que quer nos mostrar para adorarmos ou odiarmos aquele personagem. Já na vida real temos acesso a todas as facetas das pessoas e precisamos aprender a lidar com o conjunto completo, que é bem mais complexo.

Em segundo lugar, os bad boys podem ser muito atraentes na ficção porque no fundo gostam da garota e dão um jeito das coisas funcionarem, mas a realidade não termina toda vez com um “felizes para sempre”. Envolver-se com pessoas instáveis e emocionalmente inacessíveis é bem complicado e pode minar completamente um relacionamento. Quem já se conviveu com alguém assim sabe do que estou falando!

No fundo, o bad boy atrai porque todo o conjunto que é empacotado pela mídia é atraente, mas na vida real as coisas são muito mais complicadas. Aprendi no curso “The Science os Well-Being”, da Universidade de Yale, que a mídia tem esse poder assustador de criar padrões de beleza e de relacionamentos. Ao nos deixarmos levar por tais padrões, passamos a comparar o nosso parceiro (ou parceira) com personagens idealizados. Isto é completamente nocivo, afinal, mais uma vez precisamos nos lembrar de que o entretenimento se inspira na vida real, mas deixa de fora muitas esferas que estão presentes no nosso dia dia.

E se você ainda não está convencida sobre o poder dos bad boys, separei alguns exemplos de filmes e séries que mostram como a mocinha em algum momento opta pelo bad boy, mesmo que ele não seja a sua primeira opção!

Rory e Jess – Gilmore Girls

Como não começar pelo exemplo que está presente na minha vida agora? Basicamente foi o Jess, de Gilmore Girls, que me inspirou a escrever este texto. Conversando com uma amiga sobre as razões de torcermos para Rory ficar com Jess, falamos sobre tudo isso que escrevi aqui no artigo.

O drama, a imprevisibilidade, as aventuras. Rory é uma garota super certinha e Jess é o oposto disso tudo. Ele é imprevisível, instável, emocionalmente inacessível e ainda tem uma pitada de charme e mistério que atraem a garota. Totalmente diferente do primeiro namorado de Rory, Jess promete dar uma bagunçada na vida da garota e ela gosta disso.

No entanto, ao longo da história nos deparamos com os desafios de se relacionar com um típico bad boy. Os conflitos constantes acabam desgastando a relação que, apesar de ter muito amor envolvido, não tem um final tão feliz para os fãs do casal.

Maggie e Jamie – Amor e outras drogas

Este filme conta a história de Jamie, “o eterno mulherengo”, que se torna o cara pelo qual Maggie se apaixona de maneira inesperada. Por mais que desde o começo ela saiba que ele não vale nada e que não deve se envolver, não consegue evitar. O charmoso Jamie também acaba se envolvendo mais do que o planejado e após algumas idas e vindas turbulentas (ah, o drama!) acabam se resolvendo.

Bridget e Daniel – O Diário de Bridget Jones

Quem não se lembra do clássico filme com a icônica Bridget Jones? Enquanto Mark é o cara correto e todo certinho, Daniel é o mulherengo charmoso que acaba atraindo todas as garotas. Bridget, apesar de ficar com Mark, se envolve diversas vezes com Daniel. Como resistir aos mistérios e encantos de um bad boy, não é mesmo?

Hannah e Jacob – Amor a toda prova

No geral, este filme mostra como os bad boys sempre se dão bem no final de uma noite. Jacob é o típico bad boy mulherengo, emocionalmente inacessível que nunca se envolve com uma mulher por mais de uma noite.

Mesmo sabendo disso Hannah acaba dando uma chance para o relacionamento que, a princípio, parecia ser apenas mais uma “pegação” para Jacob. Como todo bom filme que sabe como construir um bad boy, Jacob finalmente se apaixona e muda o seu estilo de vida por Hannah.

Abby e Mike – A verdade nua e crua

Por fim, não poderia terminar esta lista sem falar de “A verdade nua e crua“. Mike é um machista mulherengo que se vende como “especialista em o que atrai de verdade os homens”. Por outro lado, Abby sonha em encontrar o homem perfeito.

De maneira inusitada e improvável, Mike começa a ajudar Abby a conquistar o par perfeito: seu vizinho que é médico e muito bonito. Bom, e acontece que o cara perfeito não é quem atrai Abby. Ao longo da história ela vai se apaixonando por Mike, o improvável bad boy que ela sempre detestou. Não preciso dizer mais nada, né?

Saiba separar o entretenimento da realidade

Por fim, quero reforçar o que desejo transmitir com este texto. A indústria do entretenimento é necessária para o nosso dia a dia, mas não podemos ficar cegos pelos padrões e de relacionamentos e personagens que são construídos na ficção.

Como já disse várias vezes, a vida real vai muito além do que é retratado em um filme ou série. Não podemos negar que é uma delícia assistir histórias de amor, se inspirar e sonhar, mas não podemos nos deixar levar por comparações excessivas.

Em vários momentos da minha vida já me encontrei fazendo muitas comparações entre os personagens pelos quais me apxionava e meus namorados. Realmente, eles não são como estes personagens porque são pessoas reais. Jess, Mike, Daniel e tantos outros são muito interessantes na ficção, mas será que eu gostaria mesmo de me relacionar com uma pessoa dessas na vida real?

As idas e vindas, os términos dramáticos, as brigas, os desaparecimentos, as dúvidas. É tudo muito interessante também na tela da televisão, mas será que eu realmente quero um relacionamento 90% drama e 10% leveza?

Fica o questionamento para quem tem dificuldade em separar a ficção da realidade e acaba criando padrões inacessíveis para os seus relacionamentos amorosos.


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