Carta para todas as avós que foram levadas pela covid-19

cartas
Bruna Cosenza
18 de maio de 2021

Vó,

As últimas semanas foram intensas para a senhora e para nós também. Logo depois da sua morte, a minha mãe disse algo que me marcou muito:

Todos os momentos que temos com uma pessoa podem ser uma despedida.

Acho que ela não falou dessa maneira bonita, mas quis dizer como é importante aproveitarmos cada momento com alguém, pois pode ser que seja uma despedida.

Eu não fazia ideia de que aquele dia, há pouco mais de um mês, quando fui à sua casa levar o meu livro novo, seria a nossa despedida. A gente nunca pensa que o “até logo” se transformará em “adeus” tão de repente, né?

Estava há mais de um ano sem vê-la, mas você finalmente tinha se vacinado e nos sentíamos mais seguros para nos reencontrarmos. A minha última lembrança sua sempre será desse dia, quando eu não fazia ideia de que estava me despedindo para sempre.

Sabe, vó, a vida parece muito injusta às vezes. Fico revivendo tudo o que aconteceu: a sua queda, a fratura no fêmur, os mais de quinze dias internada, a covid… Não parece justo. A senhora ficou mais de um ano presa em casa, tomou as duas doses da vacina… Por que foi levada por esta doença tão terrível? Por que tinha que ser assim?

Imagino que este seja o pensamento de muitas pessoas que perdem um familiar para o coronavírus. Esse sentimento de impotência e vulnerabilidade se misturando com a raiva e a indignação: por que estamos todos passando por isso? Precisamos de tantas mortes assim para aprender a viver melhor?

Talvez.

Hoje, na minha sessão de terapia, estava contando para a psicóloga sobre você, sobre a sua partida. Com isso, falamos sobre a morte e como a minha forma profunda de enxergar e viver a vida me faz ter uma relação ainda mais complexa e dolorosa com a finitude.

O medo de viver sem viver de verdade me persegue. Tenho pavor de chegar no final da minha vida e me dar conta de que apenas sobrevivi: que não realizei sonhos, não vivi aventuras, não amei de verdade. Por isso, o tempo todo estou me questionando e buscando novas maneiras (maneiras melhores) de viver. Mas confesso que essa busca é cansativa também, tem horas que a gente apenas quer viver sem tantas dúvidas e inseguranças, sem tantos medos.

Acho que a senhora teve uma vida difícil em alguns aspectos, mas viveu com tudo o que tinha para viver dentro de si. Aprendeu coisas novas, se divertiu, viajou, amou… Espero que tenha sido o suficiente para você. Espero que, onde quer que esteja, se sinta satisfeita e feliz com os seus 97 anos vividos.

Vó, eu acredito em destino. E sei que se a senhora partiu no dia 13/05/2021, então não poderia ter sido de outra forma. Prefiro acreditar nisso, pois me ajuda a lidar com a dor. E espero que todas as outras avós que se foram nessa pandemia terrível também tenham cumprido um ciclo tão bonito como o seu. Espero que elas possam se orgulhar de uma vida bem vivida e apaixonante.

Não tivemos a chance de dizer adeus, não conseguimos fazer uma despedida como você merecia. A covid nos tirou tudo: a última troca de palavras e olhares, os abraços de consolo, o conforto final… Só não tirou o nosso amor pela senhora.

Obrigada por ter lutado tanto contra as adversidades da vida, inclusive contra este vírus. Obrigada por não ter desistido. A senhora vive. Em algum lugar. Eu acredito.

Com amor,

Bruna.


Esta carta é dedicada à minha avó paterna, Alda, que faleceu no dia 13/05/2021, mais uma vítima do coronavírus em nosso país. Ela tinha tomado as duas doses da vacina e, mesmo assim, aos 97 anos, não resistiu à doença.