Um amor incomum acaba em uma esquina qualquer
Saímos do café após uma discussão sobre as razões do adeus. A ressaca estava chegando, não podia negar.
“Não dá mais”, ele repetia enquanto fumava o segundo cigarro e, provavelmente, prometia mentalmente que iria acabar com o vício. Fumava como se a sua vida dependesse daquilo. E talvez dependesse mesmo. Vestia a camiseta de seu filme preferido, que eu tinha comprado em uma lojinha da Augusta. Quanta ousadia vir terminar comigo com a camiseta que eu dei! O cabelo, comprido até demais, já estava encharcado pela chuva.
Ele nem sabia mais o que dizia. Cuspia palavras como quem cospe sementes de melancia no quintal de casa: sem pensar nas raízes que pode estar plantando naquele terreno.
Sempre foi assim. Dizia meia dúzia de palavras desconexas sobre tudo o que desejava prometer, mas que não seria capaz de cumprir. E eu acreditava
Por 8 meses, acreditei. Um vai e vem. O nosso amor era forte para aguentar o tranco, mas frágil demais para sobreviver às quedas. Não tinha sustância, se debatia diante da primeira ventania.
“Não dá mais”, eu repetia mentalmente.
Caminhava devagar para que o momento da despedida não chegasse, mas rápido o suficiente para poder ir logo chorar na solidão do meu sofrimento. Não me dava ao trabalho de olhar para trás porque ao mesmo tempo em que queria vê-lo, torcia para que não estivesse ali.
Estava arrebentada. Não queria mais tentar convencê-lo sobre o nosso amor torto. E nem me machucar tão ferozmente nessa busca pela felicidade a dois. A única forma de amor que eu conhecia até então era densa, sofrida. Um amor pedinte, carente. Deveria ser tão difícil assim?
A nossa caminhada nos levou até a faculdade. Paramos na esquina de encontro da sorveteria e do posto de gasolina. Tudo vazio. A chuva apertou.
“Clara”, ele chamou. Não me virei por conta da agonia de não querer me lembrar dessa cena nos próximos meses.
“Clara”.
Silêncio. Tanto silêncio que podia ouvir cada gota que escorria do céu.
“Preciso ir”, exclamou enquanto terminava o segundo cigarro e jogava a bituca na calçada.
“Acho que esse sempre foi o seu problema. Você sempre precisa ir. Ir. Ir. Ir.”
Um silêncio, que dizia muito, devastava a conversa.
“Clara…”, tentou argumentar.
“Não tente. Não tente resolver nada, por favor. Caminhamos até aqui para você dizer isso, que precisa ir. Certo, então vá!”
Para terminar, mais silêncio.
“Sabe, eu também preciso ir. Mas dessa vez eu vou. Vou mesmo. Vou tanto que quando você quiser se lembrar de mim, só conseguirá resgatar na memória essa esquina… Molhada, fria, escura, esquecida… A esquina em que você me disse que precisava ir, quando tudo o que eu precisava era ao menos que você se importasse em ficar.”
O mundo diminuiu. O mundo era aquela esquina. E o espaço não era o suficiente para nós dois. Decidida, coloquei meu capuz, ajeitei o guarda-chuva e fitei sua expressão congelada. Devia estar me achando doida. Nunca tinha sido tão dura.
Gravei cada suspiro. Roubei cada expressão. Amei cada pedaço. Enfrentei minhas trevas mais profundas e encarei o adeus. Era amargo – como o hálito que temos pela manhã e do qual não vemos a hora de nos livrarmos com um enxaguante bucal.
Não o abracei. Não o beijei. Deixei o amargor no ar, como ele tinha deixado tantas vezes também. Virei o corpo e dei o primeiro passo. A chuva diminuiu assim que pisei na calçada do outro lado da rua. Caminhei mais um pouco. Hesitei, mas decidi olhar para trás. A esquina estava vazia e, por incrível que pareça, o céu começava a limpar.
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