Rabiscos sobre Clarice – A morte é um encontro

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Bruna Cosenza
13 de junho de 2015

O mais incrível da literatura é que uma única obra consegue abrir portas para inúmeras interpretações. Acredito que “A Hora da Estrela” seja uma dessas obras com vários caminhos para reflexão. Já tinha ouvido muito sobre Clarice Lispector, mas por algum motivo nunca tinha lido nada de sua autoria. Acredito que os escritores certos chegam até nós no momento certo, assim como suas obras. E, finalmente, ela chegou até mim.

Comecei lendo “A Hora da Estrela” e só tenho uma palavra para Clarice: magnífica. A maneira como ela aborda questões existenciais é realmente incrível.

Macabéa é uma jovem imigrante alagoana que vai morar no Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. A tia de criação a maltratava, mas ingênua como só ela, Macabéa não se dava conta de muitas coisas ao seu redor, inclusive da maldade da tia. Rodrigo é o narrador-personagem, que conta a história de Macabéa, deixando claro um conflito entre ódio e amor em relação à alagoana. Com isso, suas reflexões trazem algo a mais para a história que está sendo narrada.

O interessante é que Macabéa não é uma jovem comum, pois mal tem consciência de sua existência, assim como todos ao seu redor, que dificilmente se dão conta de seus passos e respiros.

“Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma.”

Esse é um dos trechos narrados por Rodrigo que enfatizam a alienação em que vive a alagoana.

“Achava que cairia em grave castigo e até risco de morrer se tivesse gosto. Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos, gastando pouco de sua vida para esta não acabar.”

Já aqui é possível notar que a descrição de Rodrigo nos remete a uma moça sem gosto pela vida, sem grandes prazeres. No entanto, o interessante é a sua falta de consciência em relação a isso. Ao longo da narrativa é possível perceber que, para ela, a vida simplesmente é daquele jeito e não há motivos para questionar.

No decorrer da história, a moça começa a namorar Olímpico de Jesus (o próprio nome do rapaz já é uma ironia e tanto). Acontece que ele acaba trocando Macabéa por Glória, sua amiga de trabalho. Esta indica à Macabéa uma cartomante. A alagoana, que tinha acabado de receber a notícia de que estava doente, vai até a cartomante que a ilude dizendo que terá um futuro maravilhoso. Neste momento, Macabéa – ingênua, tola e ignorada pela sociedade– começa a se sentir diferente, como se as palavras da cartomante já fossem o suficiente para que sua vida, a partir daquele momento, tomasse um rumo distinto. Sai cheia de esperanças da cartomante, imaginando como sua vida será a partir de então, porém, vai de encontro com a morte. Macabéa é a atropelada e enfim sua estrela brilha.

“Assim como ninguém lhe ensinaria um dia a morrer: na certa morreria um dia como se antes tivesse estudado de cor a representação do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes.”

Melancólica, como toda a sua existência havia sido até então, a morte de Macabéa é o seu triunfo. Morre feliz, esperançosa e, finalmente, enxergada. A jovem tão ignorada por si própria e pelo mundo que a cerca, se encontra na sua morte.

E com Macabéa me coloquei a pensar: quantas pessoas são Macabéas? Talvez não tão ignorantes como ela, mas quantas pessoas, assim como ela, se encontram apenas na morte?

Como disse o narrador Rodrigo: “A morte é um encontro consigo.”


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