A menina de fita vermelha

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Bruna Cosenza
26 de julho de 2015

Ela já tinha passado da idade de fazer birra quando alguma coisa não dava certo, então todas as vezes que queria chorar e espernear, ia às livrarias para se acalmar. Bastava uma angústia ou desentendimento com alguém e lá estava ela com dois olhos castanhos enormes colados na vitrine da livraria, encarando aqueles milhares de livros.

Quando criança, muitas vezes, chegava até antes mesmo do estabelecimento abrir. Ficava ansiosa, esperando dar 9h no relógio para ver o moço de bigodes brancos abrir as portas do seu reino. Naquela época, ainda usava fita vermelha nos cabelos e o tal moço de bigodes até abria as portas mais cedo para ela.

Fez isso tantas vezes, que desacostumou a esperar quando ele não estava lá para deixá-la entrar antes dos outros clientes. Mas quando ela entrava antes de todo mundo, ele mostrava livros clássicos com histórias incríveis e ela devorava-os com uma rapidez que o assustava.

— Menina, desse jeito todos esses livros não serão o suficiente para você!  — ele falava dando uma risada.

— Quem me dera!  Ver todos esses livros aqui e saber que não conseguirei ler nem metade ao longo da vida me deixa triste! — ela respondia.

Ela cresceu, foi morar em outra cidade e nunca mais viu o senhor de bigodes brancos. Continuava fazendo a mesma coisa: indo às livrarias para aliviar suas angústias. Continuava colando seus dois enormes olhos castanhos nas vitrines, mas nunca mais conheceu alguém como o senhor de bigodes brancos. Mesmo que ela nunca tivesse dito os motivos que a levavam até a livraria, ele entendia que aquele lugar era a sua terapia.

Por algum motivo que ela acredita ser o destino, precisou ir para sua cidade natal à trabalho. Seu primeiro pensamento foi: “Será que o senhor de bigodes brancos ainda vive por lá? Será que a minha livraria ainda existe?”.

Chegando lá, foi direto para o local onde ficava a livraria e abriu um enorme sorriso ao ver que ainda estava exatamente no mesmo lugar. Ficou alguns minutos encarando o espaço que, por tanto tempo, havia sido seu refúgio particular. Entrou examinando absolutamente tudo e, enquanto admirava alguns livros, avistou o senhor de bigodes brancos. Estava mais velho, mas continuava com aquele sorriso iluminado no rosto.

Esperando que a reconhecesse, ela foi até ele e pediu uma indicação de leitura. Não demorou muito para que o senhor parasse por alguns segundos para olhá-la bem no fundo dos olhos.

— Você… — ele disse parecendo um pouco espantado — Meu deus! É a menina de fita vermelha nos cabelos que costumava vir quase todos os dias aqui!

— Sim, sou eu! — ela respondeu sorrindo.

— Já se passaram tantos anos… Nunca mais apareceu por aqui! — ele disse.

— Mudei de cidade e não tive a chance de me despedir. Mas se vale alguma coisa, nenhuma outra livraria que fui nesses anos chegou aos pés desta aqui! — ela falou.

O senhor de bigodes brancos tinha um sorriso enorme no rosto. Olhava para ela com carinho, como se fosse uma filha que não via há muitos anos.

— Que surpresa maravilhosa! Então, vamos relembrar aqueles anos e ver qual será a receita de hoje! — ele falou conduzindo-a para as prateleiras.

Horas e horas se passaram e era como se ela tivesse voltado a ser a menina de fita vermelha nos cabelos. Eles conversaram sobre todos aqueles dias que ela se refugiava na livraria e os anos que tinham se passado, até que ela finalmente se despediu.

— Obrigada por tudo! Foi uma tarde realmente maravilhosa! — ela disse abraçando-o.

— Você será sempre bem-vinda ao seu reino, menina de fita vermelha nos cabelos. Essa é a sua casa! — ele respondeu com lágrimas nos olhos.

Ela saiu saltitante, como não fazia há muito tempo. Carregava um livro de capa dura nas mãos, um sorriso no rosto e um coração acalentado.