Precisamos falar sobre a frustração profissional que nossos jovens estão vivendo
O ano é 2016. A frustração profissional já era grande naquela época.
Não sabia muito bem os caminhos que faziam sentido para mim, estava perdida. Mesmo assim, a pior sensação de todas era a de ser a única pessoa do meu grupo de amigos que não estava satisfeita profissionalmente.
Ao meu redor, todo mundo parecia voar nas agências de publicidade e multinacionais – viravam noites aprovando campanhas, viajavam a trabalho, postavam nas redes sociais falando como amavam suas belas rotinas.
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E eu lá. Sozinha. Perdida. Sem entender nada. Com uma sensação absurda de que era a única publicitária infeliz com a vida nas agências de publicidade.
Os anos passaram e descobri que não estava tão sozinha assim
Após um bom tempo refletindo sobre o próximo passo, finalmente consegui me desvencilhar das agências que, por tanto tempo, pareciam ser o único caminho possível para mim.
E eu realmente não estava esperando pelo o que aconteceu em seguida.
(In)felizmente, vários amigos da faculdade começaram a sofrer do mal que sofri lá em 2016: a frustração profissional e o sentimento de que estavam perdidos.
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As pizzas na madrugada da agência já não eram mais tão divertidas, as horas extras começaram a realmente gerar desgastes, as viagens a trabalho perderam o brilho, os posts nas redes sociais foram substituídos por reflexões sobre a vida.
Perdi as contas de quantas histórias de desilusão ouvi desde então. De tudo um pouco: publicitária decidindo fazer uma nova faculdade e praticamente começar do zero, outros largando o CLT para empreender, alguns saindo das agências para trabalhar com os pais e, é claro, teve gente decidindo tirar o famoso “sabático” para entender o que fazer da vida.
A real é que tem muita gente se sentindo perdida. E a cada história que eu ouvia, me pegava refletindo: “Bom, ao menos eu não era a única”.
Cada pessoa vive um processo de reflexão diferente
Não sei dizer se foi bom ou ruim, mas os meus processos de reflexão profissionais se iniciaram muito cedo.
Ainda na época dos estágios eu já me questionava se estava trilhando caminhos que realmente faziam sentido para mim.
Talvez não sejam muitos os jovens que, já na faculdade, vivem reflexões tão profundas, mas no meu caso foi assim – talvez tenha sido até mais doloroso por conta disso.
Quando você é muito novo e as dúvidas começam a surgir, cria-se uma certa agonia em relação a tudo isso. Você quer resolver a situação, mas não sabe nem por onde começar. Passei bastante por isso e, infelizmente, me sentia meio sozinha.
Ao ver boa parte dos meus amigos bem resolvidos com seus empregos, me sentia uma espécie de anomalia.
Hoje, após ouvir tantas histórias de gente frustrada e em busca de novos caminhos, aprendi algo que considero extremamente valioso:
As descobertas profissionais acontecem em timings diferentes para cada um
Há quem viva vários ciclos ao longo vida, enquanto outros podem passar por uma maré turbulenta logo no início da carreira e depois ter um longo período de calmaria. Alguns podem ser pegos de surpresa por muitos questionamentos no começo da faculdade, outros só pensam nisso mais para frente.
O fato é que, dificilmente, as pessoas têm trajetórias profissionais super lineares. É normal ir e voltar, duvidar, testar, errar, tentar coisas diferentes. Estranho seria se não passássemos por esses processos ao longo da carreira.
O que eu aprendi e hoje me traz muita tranquilidade é que não devemos nos comparar. Foi um erro bem grande que cometi por muito tempo, pois ao ver meus amigos bem resolvidos, acreditava que eu era a única desajustada.
Vamos falar a real aqui? Todo mundo tem medos e anseios, mas cada um é cada um. Eles nunca virão ao mesmo tempo para as pessoas.
Quando eu já tinha passado por todo o período de entender a desilusão com o mercado publicitário, os meus amigos estavam começando a entrar nesse processo.
Eu ouvia as histórias deles e ficava pensando: “Vish, mais um!”.
Afinal, o que tem frustrado tanto esses jovens?
Não existe uma resposta única escrita em pedra.
Cada um pode dizer uma coisa (e muitos podem discordar de mim – fiquem à vontade). A minha – não tão longa, nem tão curta – experiência no mercado me fez chegar a algumas conclusões que, aparentemente, parecem fazer sentido para várias pessoas, principalmente do meio publicitário.
1. “Decida hoje e não volte mais atrás”, eles dizem
O tempo todo parece que os jovens profissionais precisam escolher.
Ser especialista ou generalista? Trabalhar em multinacional ou start up? Cargo de gestão ou líder técnico?
O problema disso é que quando se é muito novo, as decisões têm um peso enorme. De fato, algumas precisam mesmo de mais peso do que as outras, mas o ponto é que, às vezes, colocamos tanta pressão nas escolhas que acreditamos que elas irão ditar o rumo da nossa vida.
Como se ao escolher hoje que quero ser generalista significasse que não posso daqui a dois anos mudar de ideia e me especializar em uma nova área.
Parece bobo quando eu falo isso aqui, mas a real é que qualquer jovem de 20 e poucos anos ainda não tem tanta maturidade profissional assim. É comum vermos alguns deles se descabelando por aí porque têm medo de tomarem certas decisões.
O mundo corporativo exerce uma pressão muito cruel e nos obriga a encarar escolhas difíceis sem nos ensinar que está tudo bem errar, testar e voltar atrás. E a real é que tudo isso gera uma angústia e um cansaço sem iguais.
2. Trabalhar, trabalhar, trabalhar: viva para trabalhar!
Pedir pizzas às 3 horas da manhã enquanto fechamos a apresentação do cliente parece incrível quando estamos entrando nesse mundo corporativo, não é mesmo?
É comum vermos o pessoal da empresa se orgulhar dizendo que trabalharam no fim de semana com muita raça e dedicação.
A real? Ou eles são incompetentes para terem que trabalhar além do horário sempre ou a empresa é extremamente desorganizada e sobrecarrega seus funcionários.
Enquanto esse tipo de discurso ainda for venerado dentro das empresas, a frustração continuará existindo.
Isso porque criaremos jovenzinhos que acreditam que precisam trabalhar 14 horas por dia para terem sucesso, mas, aos poucos, eles perceberão que isso não traz felicidade – apenas elimina qualquer resquício de saúde.
Independentemente da sua área de atuação, se o seu trabalho exige que você abra mão da sua qualidade de vida, então provavelmente esse emprego tem data de validade.
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional hoje em dia é praticamente um requisito básico. Lógico que muitas empresas ainda não prezam por isso, mas pode ter certeza de que a atual geração de jovens e todas que estão por vir terão isso tatuado em suas mentes.
Muita gente já abre mão de altos cargos e salários por uma vida mais tranquila e saudável. E apesar de algumas empresas já atenderem tais necessidades, a caminhada ainda é longa.
3. Descubra o seu propósito
Está na moda falar de propósito, né?
Todo mundo quer acordar e sentir que trabalha em algo que faça sentido. Aquele velho discurso de nossos pais de que emprego serve apenas para pagar as contas definitivamente já era.
Bom, e com essa onda de “trabalhe com o que você ama” atingindo tudo e todos, os jovens param para se perguntar se a vida deles têm sentido.
Afinal, o trabalho ocupa (pelo menos) 1/3 dos nossos dias. Se ele não tiver absolutamente nenhum significado para você, então pode ser que algo esteja errado.
Nessa busca incessante por um propósito, muitas pessoas acabam se frustrando. Descobrem que não suportam o corporativo, que não encontram significado na empresa em que estão, que suas funções são vazias de significado.
É lógico que é possível encontrar empresas alinhadas àquilo que você acredita (e tem muita gente que encontra e é feliz), mas a busca não é simples e normalmente causa o maior rebuliço dentro de nós.
4. Quando a vida entra no piloto automático
Já falei muitas vezes e repetirei o quanto for necessário: o mundo corporativo pode ser muito traiçoeiro.
Ele exige demais das pessoas.
Quando entramos no looping da rotina, é muito fácil se deixar levar pelo automático. De repente, dá um clique na nossa mente e percebemos que anos já se passaram.
É muito comum vermos jovens reclamando que se sentem na inércia. Esses dias ouvi de um ex-colega de trabalho:
“Hoje a minha vida é só trabalho. Que vida desinteressante. Queria ter mais tempo para ler um livro, ir a um show, tocar violão.”
Como pode uma coisa dessas? A pessoa viver para trabalhar?
Não faz sentido algum. O trabalho é apenas um dos pilares da nossa vida e, com certeza, não pode ser a nossa vida por completo.
Esse meu ex-colega de trabalho estava acordando. Eu já tinha me dado conta disso há muito tempo, mas ele finalmente percebia que a vida dele estava no piloto automático.
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Ele acordava, ia trabalhar, voltava para casa e dormia. De uma forma bem simples, era essa a vida dele e isso realmente estava gerando uma frustração enorme.
O famoso: “só se vive de verdade no fim de semana”.
Nessa brincadeira, as pessoas acabam perdendo suas próprias identidades e não sabem mais quem realmente são fora do corporativo. Isso é extremamente assustador e, quando se dão conta, o choque é tão grande que começam a questionar o que estão fazendo com suas vidas.
5. Seja o próximo CEO
Esse também é um dos pontos que mais afeta os nossos jovens.
A verdade é nua e crua: ninguém está aguentando mais esse papo de crescimento acelerado.
Sim, existem pessoas que querem ser CEO’s aos 30 anos de idade (ou antes), mas também temos muitas pessoas que não querem nada disso.
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Tem gente que só quer trabalhar tranquilamente, ir para casa, pegar um cinema e curtir a família.
Precisamos parar com essa mania de prometer crescimento acelerado para todo mundo e incubar na cabeça desses jovens que se eles não querem isso para as suas vidas significa que são pessoas sem ambição.
Perdão pela franqueza por aqui, mas não são. Sem ambição é a pessoa que não quer nada com nada e não tem nenhum sonho ou plano para a sua vida.
Não ter desejo por altos cargos significa apenas ter outros planos para si mesmo (que não incluem dominar o mundo com uma grande empresa!).
Isso é tão cansativo que também vai gerando uma ansiedade danada nos jovens que não se encaixam e também naqueles que sentem que precisam crescer em um ritmo extremamente acelerado para alcançarem o almejado “sucesso”.
Nessas horas só nos resta mudar
É… eles estão acordando.
Jovens de todos os campos de atuação estão se dando conta de que estão frustrados profissionalmente.
E essa consciência de que as coisas não vão bem desperta muitas mudanças.
O problema é que para mudar é preciso coragem.
Quando não estamos felizes com algo em nossa vida, o que precisamos fazer?
- Entender os motivos da frustração
- Refletir sobre possíveis caminhos para mudar
- MUDAR
Sim, mudar é o mais difícil.
Não é fácil aceitar que você está perdido aos 20 e poucos anos de idade e não sabe qual será o seu próximo passo. Ou mesmo que você saiba o que quer para si, transições são complexas e não acontecem do dia para a noite.
A pegadinha aqui é que a nossa profissão (normalmente) é o que nos proporciona dinheiro e por mais difícil que seja aceitar, o dinheiro rege a nossa vida, fornecendo conforto e lazer.
A famosa estabilidade.
Afinal, quantas vezes você já não pensou em se demitir, mas postergou a decisão por questões financeiras? Quantas vezes pensou em empreender, mas teve medo de não ter o dinheiro suficiente? Quantas vezes já quis tirar o famoso sabático, mas sentiu aquele frio na barriga por não ter nada concreto quando retornasse?
E como se não bastasse a questão da estabilidade financeira, ainda tem toda a pressão da sociedade, de nossos familiares e amigos.
Com certeza todo mundo já sentiu isso. É triste, mas real.
E a pergunta que quero deixar no final desse artigo é para que possamos refletir sobre todo esse movimento que vemos os jovens provocando (e sofrendo também).
Deveria ser assim? Quais são as verdadeiras causas disso tudo?
Um despreparo lá atrás quando jovens inexperientes precisam decidir qual universidade cursar? Uma falta de conscientização por parte das empresas de que as gerações estão mudando e são muito mais exigentes em relação à vida profissional que levarão? Ou seria uma inquietação natural do ser humano decorrente de todas as mudanças e avanços dos últimos tempos?
Eu não tenho a resposta. Talvez você, leitor, também não.
Está tudo bem. Acho que contanto que passemos a refletir um pouco mais sobre o assunto, por enquanto já é o suficiente.
O que não podemos fazer de jeito nenhum é nos blindarmos de uma situação tão presente em nosso dia a dia, mas que às vezes evitamos enxergar – seja por medo de uma realidade que ainda não nos pertence ou pelo puro receio de mudar.
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