[#6] A dor de se despedir de alguém um pouquinho a cada dia

caneta-solta
Bruna Cosenza
24 de junho de 2023

Não sei qual tipo de despedida é mais difícil: a repentina ou a lenta, que se prolonga por semanas, meses ou até anos.

Não tenho muitas experiências com a morte, mas penso muito sobre o assunto.

Na pandemia, a minha avó paterna caiu, quebrou o fêmur e depois pegou Covid-19. Quando a doença já estava grave, em poucos dias ela se foi. Não tive nem tempo de me despedir.

Há alguns anos, também venho experimentando um outro tipo de adeus à minha avó materna, uma despedida lenta e dolorosa a cada dia.

Desde pequena, sempre fomos muito próximas. Viagens, almoços, risadas, conversas. Ela era uma segunda mãe para mim. Até morei na casa dela por um período.

Conforme a idade chegava, começamos a notar alguns problemas de memória e, aos poucos, a convivência foi se tornando mais difícil.

Mas o grande declínio começou quando, também em meio à pandemia, ela foi diagnosticada com um problema grave no coração. Passou por uma cirurgia e, após muita reabilitação, conseguiu voltar à sua rotina.

Quando se tem mais de 90 anos, a vida parece uma bomba-relógio e, recentemente, a bomba dela estourou mais uma vez. Ela caiu em casa e quebrou o fêmur, como acontece com boa parte dos velhinhos.

E, como sempre me disseram, o pior não é quebrar o fêmur, mas o que vem depois… Meses sem andar, fisioterapia, corpo e mente fragilizados. Não é fácil para ela e nem para a família, pois todos precisam se adaptar à uma nova realidade.

Quando achamos que tudo estava melhorando um pouquinho, a bomba explodiu novamente. Um quadro de infecção. No momento em que escrevo, já são duas semanas de internação, muitos exames, oscilações, dúvidas e uma angústia constante por ter que lidar com o imprevisível.

Mais uma vez, os familiares são colocados diante de uma despedida lenta e dolorosa. Todo dia pode ser o último com o agravamento repentino do quadro. Ou, então, cada dia será um passo em direção à recuperação. Não temos certeza de nada no momento.

E esse sentimento de falta de controle reforça a dor que é se despedir de um ente querido um pouquinho a cada dia. O adeus já se iniciou há alguns anos, quando, lá atrás, ela começou a apresentar problemas de memória e mudanças na personalidade.

Confesso que não sei o que dói mais. Perder alguém repentinamente para a morte ou perder alguém em vida. Porque, no segundo caso, você sente que está perdendo a pessoa mesmo que ela esteja fisicamente ao seu lado.

Não é mais a mesma coisa. Nunca mais será. Algumas perdas são irreparáveis.

A perda em vida é, de certa forma, invisível. A pessoa continua lá, mas você nem sempre a reconhece. Os momentos bons juntos ficam mais apagados e se fortalecem as dificuldades que nascem a partir de uma nova relação que se cria, muito mais dolorosa e frágil devido às limitações da idade.

Por ser invisível, apenas quem está próximo diariamente sente essa perda. Para os outros, a pessoa está lá fisicamente, e é isso o que importa.

Como lidar com um adeus em vida? Fico me questionando isso diariamente.

Penso que, talvez, isso possa contribuir para tornar a partida definitiva menos dolorosa, afinal, todos os dias já são uma espécie de adeus. Mas será mesmo? Ou a perda do corpo físico gera um sentimento de fim inigualável? Talvez.

Não tenho as respostas, apenas muitos questionamentos.

O que posso dizer é que, por aqui, já venho me preparando há alguns anos. Aceitando essa despedida como um ciclo natural da vida. A perda do riso fácil, dos almoços gostosos, das conversas leves, das idas à praia… Já entendi que tudo isso se foi e que hoje temos uma versão diferente da minha avó.

O maior desafio, pelo menos para mim, é impedir que essa nova versão se sobreponha a quem ela foi a vida toda, pois quando o fim de fato chegar, é de tudo o que vivemos antes que quero me lembrar.

É aquela avó feliz, comilona, risonha, altruísta, positiva e acolhedora que desejo guardar no coração e na memória. O que veio depois foi consequência da idade, não era ela. Era apenas a velhice batendo à porta, como um dia irá bater para todos nós.