Por que nos definimos à luz do que não somos?
Recentemente comecei a ler o livro “A biblioteca da meia-noite”. Nem terminei ainda, mas já estou tão reflexiva que resolvi escrever sobre o que tenho aprendido com a leitura.
Basicamente, a história gira em torno de Nora Seed, uma mulher com 30 e poucos anos, que sofre com a depressão. Sem conseguir enxergar um propósito para a sua vida, ela decide se matar (pesado, eu sei).
E é quando ela toma essa decisão que a história passa a acontecer na biblioteca da meia-noite, que é um espaço entre a vida e a morte. Lá, ela tem acesso a cada versão da sua vida onde teria feito escolhas diferentes. São milhares de versões. Muito interessante, né?
Bom, e é aí que começam ótimas reflexões sobre a existência humana que gostaria de compartilhar com vocês por meio deste artigo. Espero que gostem!
Como você se define?
“Nora só se definia à luz do que não era. Das coisas que não tinha conseguido ser. E, realmente, havia um bocado de coisas que ela não tinha sido. Os arrependimentos que viviam num looping eterno em sua mente.”
Este trecho do livro me pegou de jeito, juro. Fiquei pensando sobre todas as vezes em que me defini a partir de quem eu não tinha conseguido ser ou fazer e isso acontece de forma meio automática.
“Não consegui encontrar um namorado”; “Não me formei em psicologia”; “Não fui uma pessoa boa de verdade”; “Não fui quem a minha mãe gostaria”.
A lista é infinita, não é mesmo? Tenho certeza de que você também já entrou nesse looping. Agora, a grande questão é: por que fazemos isso?
Por que muitas pessoas desvalorizam tanto quem são e o que conquistaram e colocam um holofote tão brilhante em tudo aquilo que não conseguiram ser?
Basta um momento de crise ou dificuldade para anularmos tudo o que já conquistamos e, assim, parece que focamos apenas nas coisas ruins e nos arrependimentos.
É claro que a vida é cheia de altos e baixos e, em alguns momentos, nos sentiremos mal, pois faz parte. Mas, falando por mim, tenho sempre a impressão de que é mais natural me definir a partir daquilo que não consegui conquistar e ser.
Alguém me elogia ou acha legal algo que eu fiz e já rebato com a perspectiva negativa: “Ah, mas eu poderia ter feito aquilo também” ou “Ah, mas nem foi tão bom assim, não consegui o que eu mais queria”.
Como você lida com os seus arrependimentos?
Nora, a personagem do livro, carrega inúmeros arrependimentos e acaba se definindo a partir deles. Acredita que se tivesse feito outras escolhas, a sua vida poderia ter sido outra, poderia ser melhor.
Se tivesse se casado, seguido a carreira na natação como seu pai queria ou ido para a Austrália com a sua amiga, talvez tudo fosse melhor. No começo da história, ela claramente se arrepende de não ter feito tais escolhas.
E não fazemos isso o tempo todo em nossas vidas também?
“Ah, se eu tivesse aceitado aquele trabalho, não estaria sofrendo para pagar as contas agora.”
“Se eu não tivesse ido àquela festa e conhecido fulano, estaria muito mais feliz.”
“Se tivesse me formado em engenharia como a minha mãe falou, não estaria desiludida profissionalmente.”
O bom e velho “e se…” que tira as nossas noites de sono e nos faz acreditar que toda a nossa vida poderia ter sido diferente. E poderia mesmo. Mas será que diferente para melhor ou pior?
Nem sempre as outras versões da sua vida serão melhores
“A biblioteca da meia-noite” tem me feito refletir bastante sobre o poder de cada uma das nossas escolhas. Desde coisas bobas, como o que optamos por comer no almoço ou coisa grandiosas, como se vamos ou não mudar de carreira.
Absolutamente tudo pode ter um impacto na construção da nossa vida e é muito doido pensar nisso.
O que Nora Seed me fez enxergar com mais clareza é que talvez a gente idealize muito as outras possibilidades de versões das nossas vidas. Temos uma tendência maluca de achar que se tivéssemos feito outras escolhas, talvez fôssemos mais felizes.
Mas já parou para pensar que talvez isso aconteça porque você ainda não conseguiu aprender com as coisas ruins que te aconteceram? Em qualquer versão da sua vida, independentemente das escolhas, existirão adversidades, dores e medos. E precisamos aprender com isso, afinal, é nos momentos mais difíceis que crescemos.
Ao começar a experimentar vidas em que fez outras escolhas, Nora percebe que sempre há algo do qual não gosta nessa nova versão e acaba voltando para a biblioteca da meia-noite porque se arrepende novamente de alguma coisa que escolheu.
Na ânsia por uma vida mais perfeita, adequada aos padrões e repleta de felicidades, nos esquecemos de que por mais que melhores escolhas pudessem ter sido feitas no passado, elas não eliminariam a possibilidade de coisas ruins acontecerem.
Cada escolha, uma renúncia
Como já diria o gênio Chorão, a cada escolha que fazemos, uma renúncia. Não há como fugir disso.
Nora parece estar em busca de uma vida em que ela não sofre com a depressão, tem um relacionamento ótimo com o irmão, trabalha com o que ama, foi capaz de realizar os sonhos do pai e está casada e feliz.
São muitas variáveis, né? Como garantir que todas estarão em harmonia em uma única versão da sua vida? Com certeza, existirão altos e baixos. A cada versão da vida de Nora, ela fez escolhas e renúncias e isso implica em consequências positivas e negativas.
Com tudo isso, cheguei à conclusão de que nos definimos à luz do que não somos porque estamos sempre olhando para o passado com dor ou rancor. Não conseguimos enxergar o lado bom das experiências difíceis que foram necessárias para o nosso crescimento. E acreditamos que não temos o melhor, mas poderíamos ter se tivéssemos escolhido diferente.
Talvez eu esteja me adiantando em relação aos aprendizados que a Nora vai ter com toda essa experiência, mas realmente não tem como não refletir sobre tudo isso quando você lê um livro como esse.
Como não pensar sobre como nos definimos? Como lidamos com os nossos arrependimentos e com as possibilidades de vidas que não vivemos?
Creio que seja impossível ignorar todos estes questionamentos, mas aprendi que ainda assim precisamos acreditar que a versão de vida que escolhemos tem muito a nos oferecer. Além disso, sempre é possível mudar. Se você não está feliz e satisfeita, o melhor caminho não é olhar para trás com arrependimento, mas olhar para o futuro com a esperança de que as coisas podem ser melhores. E isso só depende de você.
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