A vida que não nos pertence mais
Era sábado à noite e voltava para casa com a minha irmã. Chovia e a música tocava alto dentro do carro. Nós cantávamos como se estivéssemos no show da nossa banda preferida. Já perto de casa, paramos em um semáforo e reparamos em um lugar que costumávamos ir muito quando éramos crianças.
No mesmo instante, fomos atingidas pela estranha sensação de não pertencermos mais ao momento que estávamos recordando. Olhamos para os anos que tinham se passado e tivemos a sensação de que éramos meros espectadores em nossa própria vida. Como se estivéssemos assistindo a um filme do qual gostaríamos de ter participado: o filme de nossas vidas.
Fomos dominadas pela mesma sensação. De repente, nos lembramos das brincadeiras no jardim de casa, das roupinhas das nossas bonecas preferidas, da cabana que adorávamos montar no meio da sala, das tardes infinitas no colégio, das aulinhas de matemática pelas quais eu sempre implorava um dia antes da prova…
De repente, parecia que tudo aquilo tinha sido apenas um filme. Por algum motivo, sentíamos que não éramos nós aquelas crianças tão distantes. Tantas coisas tinham acontecido. Tínhamos crescido, mudado nossas prioridades, substituído nossas tardes de brincadeiras no jardim. Já tínhamos novos planos focados em nossas carreiras e futuros independentes.
Assim, do nada, num sábado à noite chuvoso, nos demos conta de que a vida passa. E passa rápido demais. A vida passa e parece que ela não nos pertence mais. Naquele sábado, nossa infância era o filme de nossas vidas, mas, algum dia, aquele mesmo sábado seria o filme que veríamos daqui a alguns anos. E ele viria com essa mesma sensação. Porque tudo o que somos hoje, um dia irá se distanciar o suficiente para que também pareça que não nos pertence mais.