O que eu aprendi sobre imortalidade com Milan Kundera

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Bruna Cosenza
12 de dezembro de 2019
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O livro “A Imortalidade”, de Milan Kundera, pode parecer estranho para alguns. Prometo não me prolongar muito nessa análise, mas sinto que preciso fazê-la.

O romance não é comum. Diferentes histórias se misturam e não há um encadeamento claro de fatos. Comecei a leitura das mais de 400 páginas empolgada. Gosto bastante das reflexões propostas nas obras do autor. No entanto, foi um livro penoso em alguns momentos, pois a falta de encadeamento de fatos faz com que você se perca um pouco.

O mais curioso é que, em alguns trechos, o Milan Kundera aparece como personagem e fala sobre a própria obra. Curioso. Com certeza, temos muito o que aprender com esse escritor.


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Entre tantas reflexões ao longo do livro, aquela que leva o seu título foi o que mais me chamou a atenção – a imortalidade. E me peguei tão pensativa em vários momentos, que precisei contar para as pessoas o que Milan Kundera me ensinou.

A sua vida tem fim, a sua imortalidade não

Esse subtítulo resume bem tudo o que vou escrever em seguida. O autor abordou um tema tão simples de uma maneira tão complexa, que fiquei surpresa por nunca ter pensado a respeito.

A mensagem que ficou para mim foi sobre como, após a nossa morte, deixamos uma imagem para o resto do mundo e perdemos o controle sobre ela. O que eu quero dizer é o seguinte: se eu, Bruna, morresse hoje, as pessoas que convivem comigo guardariam para sempre em suas memórias quem eu era para elas, certo? Essa é a minha imortalidade, mas se alguém saísse contando mentiras sobre mim pode ser que a minha imagem fosse alterada e eu não poderia fazer nada para reverter a situação.

Três momentos do livro me fizeram refletir sobre essa questão (no caso, três partes bem distintas). A primeira sobre uma personagem que ameaça se suicidar com o objetivo de manter-se eternamente na vida do namorado que não quer mais nada com ela.

“Mas o caso dela é diferente. Ela não quer ir embora. Pensa no suicídio porque é uma maneira de ficar. Ficar com ele. De ficar conosco. De inscrever-se para sempre na nossa memória. De cair com todo peso em nossa vida. De nos esmagar.”

O outro é sobre a relação entre a moça Betina e Goethe, que por muitos anos trocaram cartas. Quando Goethe morre, Betina compila todas as cartas em um livro, fazendo diversas alterações. Ela tem controle sobre a sua imortalidade e ele, morto, não pode fazer nada a respeito.

“De maneira ainda mais radical, ela reescreveu suas próprias cartas. Não, ela não mudou o tom, o tom estava certo. Mas mudou, por exemplo, as datas (para fazer desaparecer no meio de sua correspondência os longos intervalos que teriam desmentido a constância de sua paixão), eliminou muitas passagens inconvenientes (aquela, por exemplo, em que implorava a Goethe que não mostrasse suas cartas a ninguém), acrescentou outras explicações, tornou mais dramáticas as situações descritas, deu mais profundidade às suas opiniões sobre política ou arte, notadamente quando música e Beethoven estavam em questão (…) Ninguém colocou em dúvida a autenticidade das cartas até 1929, data na qual a correspondência original foi descoberta e publicada.”

Por fim, o terceiro trecho do livro que me fez refletir sobre a imortalidade foi um diálogo entre Goethe e Hemingway (sim, até ele aparece por lá), no qual Hemingway fala como nunca quis a imortalidade.

“Na minha mocidade, era um galo, gostava de me mostrar. Regalava-me com as histórias que contavam a meu respeito. Mas creia-me, por mais vaidoso que fosse, não era um monstro e não sonhava absolutamente com a imortalidade. No dia em que compreendi que era justamente ela que me espreitava, entrei em pânico. Cem vezes, implorei às pessoas que não se metessem na minha vida (…) Quando me deram o prêmio Nobel, recusei-me a ir a Estocolmo (…) O homem pode pôr fim à sua vida: mas não pode pôr fim à sua imortalidade.”

E sobre o que tudo isso me fez refletir?

No primeiro caso, a personagem enxerga o suicídio como uma maneira de eternizar-se na vida do amado. Ela quer deixar uma marca fortíssima, a marca da imortalidade, que continuará por aqui mesmo quando ela se for.

No segundo caso, Betina tem controle sobre a imortalidade de Goethe e consegue fazer com que todos acreditem nas correspondências falsificadas, alterando a imagem dele por muitos anos.

No terceiro caso, Hemingway é um escritor consagrado que pouco liga para a fama, prêmios e para o fato de que será referência literária por muitos anos após a sua morte. No entanto, ele não tem controle sobre isso e não consegue impedir que a sua imortalidade cruze séculos.

O livro de Kundera me fez pensar sobre como podemos continuar vivos mesmo após a morte. É a ideia de que quem somos se mantém imortal enquanto houver ao menos uma pessoa para se lembrar de nós na Terra.

E mais: fiquei pensando como muita gente passa a vida toda em busca de um reconhecimento para entrar no hall da eternidade. Quem não conhece Marilyn Monroe ou Shakespeare? São figuras imortais.

O que eu aprendi após a leitura da obra é que eles não são os únicos imortais. Não é preciso de fama para que a sua imortalidade continue permeando a vida das pessoas.

Todos nós deixamos algo quando partimos. Deixamos um legado para os nossos amigos e familiares. Algo que pode ser alterado, assim como Betina fez com Goethe. Algo sobre o qual não temos controle após a nossa morte e, assim como Hemingway, não podemos obrigar a pessoas a deixarem de falar sobre nós.

Aquele filme da Disney, “Viva – A vida é uma festa” tem bastante relação com tudo isso, afinal, enquanto se lembrarem de nós, estaremos vivos em algum lugar.

Terminei a leitura reflexiva e mais sábia, com a certeza de que devo focar em fazer aquilo que me deixa feliz e construir uma imagem da qual eu me orgulho. Assim, quando eu não habitar mais esse mundo, a minha imortalidade será a continuação de uma Bruna que permanece viva em outras dimensões.


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