Se o corpo fincar raízes, sua mente te ajudará a voar

autoconhecimento
Bruna Cosenza
31 de outubro de 2019

Meu pai tem um amigo da faculdade que há pouco mais de um ano foi diagnosticado com ELA, esclerose lateral amiotrófica. Para quem não conhece, é a mesma doença com a qual Stephen Hawking viveu por tanto tempo.

Não existe cura para a ELA e a causa é desconhecida pela medicina. Basicamente, a doença afeta o sistema nervoso de forma degenerativa. Aos poucos, a pessoa perde o controle sobre os movimentos e sofre de uma paralisia motora irreversível.

Foi um choque aqui em casa quando ficamos sabendo que alguém tão próximo estava com uma doença incurável. Sabe aquela história “isso só acontece com os outros, não comigo”? Bom, quando alguém próximo ou nós mesmos sofremos com algo tão sério como essa doença, esse pensamento se desmorona.

A tendência que temos de achar que coisas ruins não vão acontecer

Quando tinha uns 11 anos de idade, eu e minha família estávamos na nossa casa de praia. Era algum feriado de novembro, não me lembro agora exatamente qual, mas a praia estava relativamente vazia.

À noite, na varanda, brincávamos e conversávamos. O que ninguém esperava era que naquele dia dois assaltantes tornariam a viagem um pesadelo.

Enquanto eu e minha irmã de 15 anos brincávamos de bola no jardim, apareceram dois homens com os rostos completamente cobertos e armas apontando para nós. Eu me lembro exatamente o que senti naquele momento. Não entendia muito bem o que estava acontecendo e saí correndo e gritando pela casa. Minha mãe conta que meu rosto estava tomado pelo pavor.

Aquilo não parecia real. E hoje, quando me lembro de cada detalhe, também sinto que não foi real. Provavelmente porque temos essa mania de acreditar que coisas ruins não vão nos acontecer.

Vemos tragédias na televisão, ouvimos sobre assaltos e estupros no rádio, mas achamos que é tudo uma realidade muito distante. “Comigo não!”. Até que acontece. E você fica confuso e atordoado, porque não imaginava que algo tão ruim pudesse acontecer com você ou pessoas próximas.

Deve ser assim que as pessoas se sentem quando ouvem o diagnóstico de uma doença como ELA. Não há cura. Não há esperança de voltar a ter uma vida normal.

Um corpo paralisado não impede a mente de voar

A ELA impede que a pessoa se mova. Ela perde os movimentos de praticamente tudo, até ficar completamente paralisada. A tecnologia, no entanto, ajuda os pacientes a se comunicarem por meio de computadores muito avançados que detectam pequenos movimentos dos olhos, bochechas ou sobrancelhas. É incrível.

O mais louco é que a doença não afeta em absolutamente nada os sentidos e o cérebro. A pessoa continua com um perfeito funcionamento da mente e tato, olfato, visão, audição e paladar permanecem intactos.

É como se o corpo se tornasse a sua maior prisão.

O quão angustiante é ter seus pensamentos fluindo normalmente, enxergar e ouvir as pessoas ao seu lado, mas não poder falar, abraçar, se expressar? Quer dizer, eles se expressam por meio dos aparatos tecnológicos, mas não é a mesma coisa.

Tanto o físico Stephen Hawking quanto o amigo do meu pai escreveram livros. Esse amigo fez muitas viagens de moto pelo mundo todo, um aventureiro nato, e registrou todas as suas experiências em um lindo e enorme livro. É importante ressaltar que ele escreveu o livro já doente, boa parte com a ajuda de aparelhos.

Isso só demonstra o quanto a mente continua ativa e em busca de vida. Apesar do aprisionamento do corpo, a mente permite que os portadores de ELA continuem voando para muito longe e mantém viva a busca por dias melhores.

Nunca sabemos quando será o nosso último dia bom

Vivemos despreocupados com a morte, doenças e possíveis acidentes. Até porque se ficarmos pensando nisso o tempo todo deixaremos de viver.

No entanto, em momentos que ficamos cara a cara com esse tipo de situação nos lembramos de que não somos nada nessa vida. Hoje estamos aqui, mas amanhã é um grande mistério.

Temos sonhos para o futuro, estipulamos metas, criamos planejamentos. A verdade é que a vida não está nem aí para isso tudo. Ela tem um plano para nós, do qual não fazemos a mínima ideia e que não podemos mudar.


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Não sabemos quando será o nosso último dia bom. E se amanhã eu sofrer um acidente que me deixa paraplégico? E se amanhã eu descobrir que estou com uma doença incurável? E se amanhã eu sofrer uma parada cardíaca?

Se isso acontecer, você estará minimamente satisfeito com o que conquistou e fez até agora?

Só temos o hoje. E é tão difícil viver apenas com o hoje. É tão difícil agradecer todos os dias, ir atrás dos sonhos o quanto antes, viver com sorriso no rosto ao lado de quem amamos. É tão difícil.

Quantas vezes vamos dormir bravos, rancorosos, angustiados? Quantas vezes deixamos para depois um sonho que deveria ser realizado hoje? Quantas vezes magoamos as pessoas e não pedimos perdão?

Faça hoje, viva hoje

É tão clichê dizer isso, mas ao mesmo tempo extremamente necessário. Quer dizer, se não fizermos hoje, não há garantias de que poderemos fazer amanhã.

Quando penso no amigo do meu pai, fico feliz por saber que ele viveu tanto. Realizou muitas viagens e provavelmente conquistou boa parte dos seus sonhos. Imagine só se ele não tivesse feito tudo isso? Com menos de 60 anos foi diagnosticado com uma doença que o impediria de realizar qualquer viagem de moto, algo que ele amava muito fazer.


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E mesmo agora, com a doença, ele continua vivendo. Escreveu um livro! Que linda conquista. É isso o que mais admiro em pessoas com ELA: elas têm uma luz e um otimismo tão grandes, que parecem mais fortes do que as pessoas que não tem doença nenhuma.

Como na época em que fui assaltada, há mais de 10 anos, novamente me pego reflexiva, agradecendo por cada dia vivido. E mais do que nunca tenho certeza de que a nossa mente é um bem tão precioso que mesmo nos momentos em que o nosso corpo estiver preso, estagnado, criando raízes, teremos a nossa mente para nos ajudar a voar pelo mundo e continuar criando, refletindo e conquistando!


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