Trem para Veneza
São apenas oito da noite, mas o tempo frio e a escuridão que tomou conta do céu desde as cinco da tarde dão a impressão de que já é madrugada. É domingo, mas o ritmo da rotina em um país estrangeiro me faz ter a sensação de que é plena sexta feira.
No trem para Veneza, um senhor que está em pé na direção do meu olhar manuseia seu aparelho celular, tentando consertar algo que parece errado. Mãe e filha sentadas lado a lado em minha frente não conversam. A menina usa fones de ouvido e olha para a paisagem pela janela. O celular da suposta mãe toca e a menina atende. Sua voz indiferente parece indicar que há algo de errado. Do outro lado, duas amigas conversam sem parar na língua estrangeira que ainda não consigo dominar. Atrás de mim, jovens vidrados em seus smartphones indicam que não estão integrados ao ambiente social do trem. De repente, a menina em minha frente diz algumas palavras para a mulher que imagino ser sua mãe, faz um gesto de despedida e sai do trem.
Quem são essas pessoas? Para aonde estão indo? Quais são as suas histórias? Esse lugar, que apenas alguns dias atrás não tinha absolutamente nada de mim, agora parece me pertencer por completo. Esse lugar, cheio de pessoas desconhecidas, de histórias secretas que a mim nunca serão reveladas. Mas ainda tenho a impressão de que, mesmo quando eu me for, esse lugar continuará incrustado dentro de mim.
São oito da noite. O frio congela meu corpo e me faz checar mais uma vez se já não passa da meia noite. Não. Ainda são oito da noite. Estou no trem para Veneza e, de repente, me parece que este é o centro do mundo. Aqui, neste trem, onde estou sentada agora, é o lugar que importa para mim. Minha cidade natal está longe e eu não sei dizer como estão as coisas por lá. Porque me parece que a minha casa agora é neste trem para Veneza. Aqui é onde eu deveria estar. E o meu mundo é onde eu estou agora.